Comissão encontra depósitos em 46 contas bancárias de congressistas, familiares, assessores e amigos. Outros 21 pegaram propina em dinheiro vivo
Técnicos da CPI dos Sanguessugas concluíram ontem a fase de organização de todos os documentos juntados desde o início da investigação e chegaram à conclusão de que apenas seis dos 90 investigados são aparentemente inocentes. Contra os outros 84 há indícios abundantes de que estavam mesmo mancomunados com a quadrilha que roubava dinheiro público fraudando a compra de ambulâncias com recursos do Ministério da Saúde.
No levantamento da CPI há provas irrefutáveis contra 46 parlamentares que receberam depósitos em suas próprias contas bancárias, na de familiares, assessores ou amigos. Outros 21 pegaram dinheiro em espécie, segundo os registros contábeis da máfia. E contra 17 acumulam-se indícios considerados bastante fortes de envolvimento, embora ainda não tenha aparecido prova de como receberam a propina dos sanguessugas.
A informação sobre os números finais da sistematização foram passadas ao Correio por um técnico da comissão. O sub-relator responsável pela área, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), não quis confirmá-la, embora também não a tenha negado. Ele chegou ao Senado às 17h30 e permanecia trancado revisando o material até o fechamento desta edição. Ao entrar no prédio, informou que a divulgação caberá ao relator, Amir Lando (PMDB-RO). “O senador Lando havia marcado comigo hoje (ontem), mas teve um problema e só poderá chegar amanhã (hoje) de manhã. Entregarei a ele dois disquetes com uma verdadeira radiografia do esquema e o nível de participação de cada um dos investigados”, disse.
Os 21 parlamentares que embolsaram dinheiro vivo dos sanguessugas foram assim enquadrados a partir de várias fontes diferentes. Eles são nominados no livro-caixa da Planam ou na planilha de uma conta-movimento entregue à CPI por Maria Estela da Silva, funcionária da empresa. Além disso, foram identificados nos depoimentos de Maria da Penha Lino, ex-assessora especial do Ministério da Saúde, e de Luiz Antônio Trevisan Vedoin, sócio da Planam e espécie de gerente da máfia.
O cruzamento das diversas frentes de apuração permitiu a reunião de uma verdadeira coleção de indícios. Por exemplo: o mesmo parlamentar que recebeu dinheiro em troca de emendas ao Orçamento da União também forneceu sua senha para o acompanhamento dos processos dentro do governo e foi citado pelas testemunhas. Nos disquetes preparados para o relator há uma pasta para cada congressista e, dentro dela, a respectiva lista de indícios. Assim, os técnicos criaram uma espécie de vacina contra desculpas esfarrapadas. Isso porque alguns dos acusados já vinham dizendo que o dinheiro encontrado em suas contas eram doações de campanha “não-contabilizadas”. Como o dinheiro recebido é apenas um dentre muitos outros elos, a tese do caixa 2 é de pronto descartada.
Tal sistemática permitiu também a identificação dos seis possíveis inocentes na lista dos 90 investigados. Eles tiveram os nomes citados nas conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça pela Polícia Federal ou mesmo atenderam telefonemas de integrantes da quadrilha. Mas não se encontraram outros indícios consistentes.
A CPI só está investigando os parlamentares suspeitos que estejam no exercício do mandato. Há outros 22 ex-deputados e ex-senadores contra quem há robustas informações comprometedoras. Mas estes estão sendo tratados no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Na última quinta-feira, a Controladoria Geral da União (CGU) divulgou um levantamento no qual apareciam quatro novos nomes de deputados da atual legislatura no hall de suspeitos — João Almeida (PSDB-BA), Aroldo Cedraz (PFL-BA), Arolde de Oliveira (PFL-RJ) e Márcio Reinaldo Moreira (PP-MG).
Contra esses, entretanto, não há indícios entre os documentos recebidos pela CPI. Por isso, eles não foram notificados. Em vez disso, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), membro da CPI, conseguiu que apenas recebam uma consulta para se pronunciarem sobre o levantamento da CGU. Isso acontecerá hoje. O deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), presidente da CPI, marcou para o próximo dia 10 a apresentação do relatório preliminar, no qual estarão esmiuçados os detalhes do esquema e a participação dos congressistas nele. O relator Amir Lando vem se negando a aprofundar as investigações sobre o Poder Executivo. Ele foi ministro da Previdência do governo Lula.
O ESQUEMA EM NÚMEROS
90 parlamentares estão sendo investigados pela CPI dos Sanguessugas
Destes, 87 são deputados e 3 são senadores
15 receberam depósitos da quadrilha nas próprias contas bancárias ou em contas de mulheres ou filhos
25 receberam depósitos da quadrilha em contas bancárias de assessores
6 receberam depósitos da quadrilha em contas bancárias de terceiros, como advogados ou amigos
21 receberam dinheiro em espécie
17 têm contra si outros indícios, como o fato de terem fornecido senhas para a quadrilha acompanhar o processo de liberação dos recursos do Ministério da Saúde para a compra de ambulâncias, constarem do livro-caixa da Planam ou terem sido identificados por pelo menos três testemunhas de dentro do esquema (Luiz Antônio Vedoin, Maria da Penha Lino e Maria Estela)
6 são mencionados nas conversas telefônicas da quadrilha, mas não existem indícios robustos contra eles
Prefeitos petistas juram inocência
O prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), disse ontem que por duas vezes se livrou dos emissários da Planam. Ele contou que em 2004, quando era deputado, recebeu em seu gabinete representantes da empresa que queriam que ele fizesse emendas para a cidade. Em 2005, já prefeito, Luiz Antonio Vedoin teria ido ao Hospital da Posse para dizer à direção que uma emenda tinha sido liberada pela Planam e que a empresa deveria vencer a licitação.
“Nas duas vezes eu não fiz o que eles queriam. Estou indignado com estas insinuações de que teria acontecido propina aqui”, afirmou o prefeito petista. “Eles eram muito fortes aqui. Mas, se pagaram, nós vamos apurar e punir”, completou. Farias diz que ao chegar à prefeitura em 2005 havia uma licitação, com recursos já empenhados pelo governo anterior, para a compra de uma ambulância pela Planam. Ele disse que não podia cancelar a licitação e que fez o pagamento.
“A ambulância chegou fora das especificações, faltando equipamentos. Informamos ao Ministério da Saúde do problema e também que o preço estava muito acima”, contou o prefeito. Lindberg descobriu que a Planam e outras duas empresas do grupo ganharam cinco licitações na prefeitura da cidade entre 2001 e 2004. Em todas elas, só empresas ligadas à máfia participaram da concorrência.
O prefeito de Paracambi, André Ceciliano (PT), disse que, entre 2001 e 2004, a cidade comprou cinco ambulâncias da Planam. Segundo ele, em nenhum dos depoimentos prestados até agora os diretores da empresa citaram ter havido pagamento de propina para tais compras. Desde que voltou à prefeitura da cidade, em maio de 2005, garante não ter feito mais nenhum negócio com a empresa. Também afirma não conhecer ninguém de nome Ricardo, que teria recebido propina em nome dele.
Além disso, André afirma que, quando foi secretário de governo em Nova Iguaçu, entre janeiro e maio de 2005, não tinha poder para liberar recursos na prefeitura. “Há uma série de contradições nestes depoimentos. Fui para Brasília e me dispus a liberar meus sigilos fiscal e telefônico. Já coloquei na Internet meus extratos bancários”, respondeu Ceciliano.
Depoimento amanhã
A CPI dos Sanguessugas ouvirá amanhã o empresário Luiz Antônio Vedoin. O depoimento está marcado para a sede da Polícia Federal (PF) e será reservado. “Um grupo de parlamentares quer ouvir o Luiz Antônio Vedoin para tirar dúvidas que ficaram a respeito da série de depoimentos que ele prestou ao juiz Jefferson Schneider”, disse o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), um dos integrantes da comissão.
No longo depoimento que Vedoin prestou a Schneider durante nove dias, constam revelações tidas como muito importantes, com detalhes da suposta fraude na licitação de ambulâncias e material hospitalar com o dinheiro do Orçamento da União. Nele, Vedoin afirmou que a ação da quadrilha havia avançado sobre o Ministério da Ciência e Tecnologia e que, no passado, o grupo atuara também no Ministério da Educação.
Também foi Vedoin que revelou à Justiça Federal, em Cuiabá, os nomes de 33 parlamentares envolvidos no esquema de fraudes que ainda não respondiam ao processo aberto contra eles no Supremo Tribunal Federal (STF). Com a revelação dos novos 33 nomes, a lista de investigados subiu para 90.
Vedoin é filho e sócio de Darci Vedoin, o fundador da Planam, este último ouvido pela comissão de inquérito. No depoimento ao juiz, Luiz Vedoin afirmou que foi o deputado Lino Rossi (PP-MT) que apresentou a ele diversos dos deputados que mais tarde viriam a fazer parte do esquema de corrupção, entre eles, Nilton Capixaba (PTB-RO), João Caldas (PL-AL), João Grandão (PT-MS), Paulo Baltazar (PSB-RJ), Pastor Amarildo (PL-TO) e Carlos Rodrigues (PL-RJ).
Ugo Braga do Correio Braziliense
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