A quatro meses do primeiro turno da eleição presidencial, governo federal eleva remuneração de servidores por meio de medidas provisórias

Depois de muito desgaste e recuos de última hora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve assinar hoje cinco medidas provisórias (MPs) definindo aumentos e reestruturações para uma série de carreiras do Executivo. Essas MPs abrangem cerca de 1,3 milhão de servidores — além dos 160 mil contemplados no dia 30 de maio. Desta vez, entre os beneficiados estão funcionários da Seguridade Social, militares e servidores das áreas de segurança pública do Distrito Federal, totalizando aproximadamente 20 categorias.

As negociações começaram em outubro do ano passado. Inicialmente, a pretensão do Ministério do Planejamento era de enviar ao Congresso Nacional projetos de lei específicos para cada segmento. Com a demora na votação do orçamento 2006, os planos mudaram e a opção por editar MPs acabou sendo a saída. O total reservado pela União este ano para conceder aumentos salariais é de R$ 5,1 bilhões.

Com o gesto, Lula espera tirar um grande peso das costas. Mesmo que contestados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e por parte dos sindicatos, os reajustes aliviam as pressões sobre o Palácio do Planalto e agradam a uma das bases eleitorais mais fiéis ao ex-metalúrgico.

Em greve desde a semana passada, agentes, delegados e o corpo administrativo da Polícia Federal vivem a expectativa de receber aumento. As duas primeiras categorias reivindicam reajuste de 30% este ano e mais 30% em 2007. Já os servidores da área burocrática querem um bônus mensal de R$ 350. Até ontem, as negociações apontavam para a fusão de todas as gratificações pagas atualmente a agentes e delegados. Os administrativos também devem ser contemplados, mas com um reajuste menor do que o pretendido.

Aos militares o governo acabará concedendo um aumento maior do que o acertado em 2005. No ano passado, eles ganharam 13% a mais nos contracheques e para este ano a programação previa mais 10%. Sobrepostos, os percentuais chegam a 24,3% e não aos 23% acordados entre os ministérios da Defesa, do Planejamento e da Fazenda. À época, e agora também, o governo preferiu não se desgastar e cedeu à pressão dos quartéis.

Gestores, analistas do Tesouro Nacional e da Controladoria-Geral da União (CGU), consideradas categorias de elite no Executivo, aguardam inclusão em alguma MP. Esses servidores reivindicam ganhos semelhantes aos praticados na área de fiscalização. Uma proposta, recusada pelos sindicatos que representam os trabalhadores, aponta para a concessão de 10% de aumento em 2006 e mais 5% em 2007. A oferta de percentuais mais baixos do que os prometidos pelo Ministério do Planejamento também desagrada aos auditores-fiscais da Receita Federal, em greve desde o dia 2 de maio.

Judiciário

Os servidores do Judiciário conseguiram do governo a garantia de que haverá recursos para o aumento da categoria. O executivo se comprometeu a disponibilizar neste ano R$ 600 milhões para reajuste médio de 40% aos 100 mil trabalhadores — o projeto de lei com o aumento está em tramitação na Câmara dos Deputados. Com a promessa, a maioria dos estados, inclusive o DF, decidiu pelo retorno ao trabalho após quase um mês de greve.

O número

Verba

R$ 600 MI

Devem ser destinados ao reajuste dos servidores do Judiciário

Tesouro prejudicado

A greve dos analistas de finanças e controle do Tesouro Nacional começou a prejudicar a estratégia de administração da dívida pública. A paralisação obrigou o governo a cancelar um leilão de troca de títulos que ocorreria hoje e a suspender por tempo indeterminado as vendas de papéis do Tesouro Direto, programa que permite a pessoas físicas comprar os títulos diretamente, sem ser por intermédio de fundos de investimento. O Tesouro anunciou as decisões por meio de um comunicado divulgado ontem à tarde. O leilão de troca dos papéis chamados NTN-B, que são corrigidos pela inflação e são os preferidos de investidores estrangeiros, foi cancelado porque a participação da equipe é importante na elaboração do edital. (Ricardo Allan)

Análise da notícia

Aumento na hora certa

Lula resolveu abrir o bolso. Pressionado desde o segundo semestre de 2005 por servidores e sindicatos, o presidente, candidato à reeleição, atende agora a um eleitorado que nunca lhe deixou na mão. Com os reajustes concedidos por meio de medidas provisórias, o petista acalma os críticos e os companheiros que estão dentro e fora do governo a quatro meses da disputa nas urnas.

Seja pela falta de habilidade em negociar, indecisão administrativa ou pura conveniência política, o fato é que os aumentos passarão a vigorar justamente quando Lula mais precisa ser lembrado como o pai dos trabalhadores. Recém-lançado à reeleição, o presidente deverá incluir em seus discursos — além das metáforas tão desgastadas e já conhecidas sobre futebol — o chavão de que é o governante que mais melhorou as condições salariais dos servidores “deste país”.

Sorte ou azar, o carimbo acompanhará o presidente para sempre, muito embora a máquina estatal sob o comando do ex-metalúrgico venha reduzindo sistematicamente o percentual gasto com a folha de pagamento, quando comparada ao Produto Interno Bruto (PIB). Atentos a esse fenômeno, as carreiras de elite do setor público intensificam uma patrulha sobre o Palácio do Planalto. Caso Lula seja reconduzido ao cargo, as cobranças ganharão ainda mais força no ano que vem, o que deixa de cabelo em pé quem teme pela explosão nominal dos gastos públicos. (LP e MF)

Luciano Pires e Mariana Flores Da equipe do Correio