Após um final de semana complicado, a segunda-feira foi ainda mais caótica nos aeroportos do país. O colapso, antes centralizado em Brasília, que concentra grande parte do fluxo aéreo por ser um ponto de escalas e conexões, se alastrou pelas principais capitais do Brasil. Segundo a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), em nota divulgada às 19h30, dos 1.487 vôos programados durante o dia em todo país, 629 tiveram atrasos — o que representa 42,3% do total. Só em Brasília, pelo menos 56 aviões partiram após o horário e oito, entre pousos e decolagens, foram cancelados. No Aeroporto de Congonhas (SP), o mais movimentado do país, mais de 50 vôos saíram atrasados e houve sete cancelamentos.
A rotina foi a mesma nos demais terminais de médio e grande porte. Houve 56 atrasos, nos pousos e decolagens, e quatro cancelamentos no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins (BH). As partidas chegaram a ser totalmente suspensas no início da manhã no Rio de Janeiro (Aeroporto Tom Jobim), que teve 28 vôos atrasados e seis cancelados, para as regiões Sul e Norte do país.
Em Recife (Aeroporto Internacional Guararapes-Gilberto Freyre), os atrasos prejudicaram 19 vôos. Nos terminais de Manaus (AM), Vitória (ES) e Salvador (BA), o tempo de espera variou entre 15 minutos e mais de cinco horas. Em um caso particular em Recife, onde um vôo decolou com 12 horas de atraso, foram alegados problemas de manutenção na aeronave. Embora a Infraero e a Aeronáutica não confirmem, funcionários das companhias estão explicando aos passageiros que a causa do colapso são medidas de controle de tráfego aéreo.
Apesar dos atrasos, o ministro da Defesa, Waldir Pires, afirmou ontem, no Rio, que a situação estava normal. “Atrasos de quatro horas são atrasos de empresas. O que sei é que nós estamos operando normalmente”, disse o ministro.
Mas o taxista Adolfo Ferreira Lima pensa diferente. Com 19 anos de trabalho diário no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek de Brasília, onde vai buscar passageiros e levá-los ao hotel, ele teme perder dinheiro com o caos. “Tive prejuízo de R$ 2 mil na época da crise da Varig”, lembra o taxista. A perda até agora, conta Adolfo, foi muita sola de sapato gasta em frente ao portão de desembarque. Ontem, ele esperava seis americanos que vinham de São Paulo, cujo vôo estava atrasado havia três horas. “O jeito é aguardar. Já passei duas noites sem dormir à espera de passageiros”, resigna-se.
Para Andréia Schneider, mestranda em computação, o transtorno foi maior. Não bastassem os 40 minutos de atraso do vôo para Porto Alegre (RS), ela ficou mais de uma hora na fila da Gol para fazer o check-in, só que de cadeira de rodas e com a filha, Mariana, de dois anos. “Nós, adultos, até agüentamos essa demora, mas a criança fica muito ansiosa”, desabafou Andréia, que torceu o pé no domingo e teve que adiar a viagem para ontem.
O marido, Bruno, que tentava distrair a filha, não se conformava com o atendimento. “As pessoas reclamam dos controladores, mas o serviço que temos aqui no balcão é péssimo”, reclama. Analídia Franciscone também estava revoltada. O vôo dela, da BRA, de Brasília para o Rio de Janeiro, saiu atrasado 40 minutos. “Vou para fazer um tratamento de câncer. Se perco a viagem, perco consulta, perco tempo, as coisas não podem continuar assim. É um desrespeito com a população”, afirmou Analídia.
O problema maior ocorreu pela manhã. No restante do dia, os aeroportos do país começaram a se normalizar e foram poucos os tumultos em função de atrasos. A aparente calmaria em Brasília pode ser resultado da precaução dos passageiros, que têm procurado saber a situação dos vôos antes de sair de casa. O telefone do balcão da Infraero no aeroporto não parou de tocar ontem.
A todo momento, os atendentes consultavam o computador e repassavam o horário previsto para o vôo, já com o atraso registrado. Além disso, a Infraero disponibilizou um link em seu site com a situação atualizada das decolagens e pousos no país (www.infraero.gov.br). A TAM também adotou uma estratégia para minimizar as filas e a irritação dos clientes. Entrou em contato com os passageiros, no caso de alguns vôos, para avisar o horário em que deveriam comparecer ao aeroporto.
O número
Números do caos 629 vôos deixaram os aeroportos com atrasos de pelo menos 15 minutos, de acordo com a Infraero
Até Mantega se prejudicou
A confusão ocorrida nos aeroportos durante o fim de semana — quando 50% de todos os vôos do país sofreram atrasos de até 10 horas — atrapalhou a agenda do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ontem. Ele foi obrigado a cancelar sua participação na 40ª Assembléia da Federação Latino-Americana de Bancos, no Rio de Janeiro, onde deveria fazer uma palestra, porque não conseguiu embarcar de São Paulo.
Segundo a assessoria do ministro, Mantega deveria proferir sua palestra no Rio de Janeiro às 11h30. Mas, diante de um atraso no vôo que sairia de São Paulo, ele acabou desistindo da viagem — até porque não poderia deixar de estar na capital federal hoje, onde participa de reunião da equipe econômica com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a Casa Civil.
O ministro trocou sua passagem para Brasília e conseguiu embarcar sem atrasos. Foi a segunda experiência desagradável do ministro da Fazenda desde o início do caos nos aeroportos.
No feriado de Finados — quando passageiros aguardaram nos saguões dos aeroportos até 18 horas para conseguir embarcar e outros ficaram em terra mesmo após a espera sem fim — Mantega enfrentou seis horas de atraso no vôo que o levaria de Brasília para a cidade de São Paulo. Ele saiu de seu gabinete às 14h30 — mas só pôs os pés na capital paulista às 20h30.
Mantega não é o único na Esplanada a sentir os efeitos da operação-padrão dos controladores de vôo. Nas vésperas do feriadão, mais de quatro comissões de trabalho do Congresso Nacional tiveram audiências suspensas devido ao atraso e ao cancelamento de vôos.
Também a discussão sobre como destravar o crescimento sofreu sério baque devido aos atrasos nos aeroportos. O último encontro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, que reuniria representantes dos empresários no Palácio do Planalto com ministros, acabou cancelado.
Renata Mariz
Correio Braziliense
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